segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Espelhos

Hoje eu estava lendo um livro chamado "Você não tem que resolver tudo". Não passei das primeiras páginas, mas basicamente o autor defende um negócio interessante. Quando alguém nos conta um problema, antes mesmo de terminar de ouvir, já estamos pensando em que conselho dar a aquela pessoa. É meio que instintivo e automático.

A questão no caso é que, muitas vezes, a pessoa está contando um problema simplesmente para desabafar, e não para ser aconselhada. E ao pensar em saídas para o problema, o interlocutor, a bem da verdade, não ouve nada o que a pessoa diz - e é somente isso que ela queria.

Gostei do ponto.

Mas ouvir é mais difícil do que imaginamos. Basta fazer o exercício - se alguém começar a contar uma história, tente ouvi-la e simplesmente compreendê-la. Sem se distrair com alguma borboleta que passe voando, sem pensar no que faria no lugar da outra pessoa, sem pensar porque aquela pessoa está passando por aquilo, se merece ou não. Simplesmente ouça, compreenda e aceite. Pode parecer pouco, mas pode ser exatamente o que a pessoa queira.

Eu tenho tentado isso a cada dia - e em especial às segundas-feiras. Cansa. É um trabalho árduo de concentração, de treino. Requer esforço. Uma coisa que ouço muito há muito tempo, principalmente aqui em casa, é que a palavra tem força. Discordo. Acho que a palavra tem peso. E esse peso pode te levar para baixo ou para cima, de acordo com o conteúdo da história. Quanto mais densa a história, mais o peso te leva para baixo. Aí, o trabalho é mais árduo ainda: além de ouvir, de aceitar, de prestar atenção, de não julgar ou pré-julgar, é ainda necessário se manter no mesmo nível desde antes do começo da história. No mesmo prumo.

E se certas palavras, histórias, narrativas tem um peso para o interlocutor, se o tocam a ponto de o deprimir ou animar, imagino o que aquilo - que ainda não é palavra, mas um apanhado de sentimentos - pode fazer dentro da pessoa, do locutor. Por isso talvez seja tão bom desabafar. Para que aquele emaranhado de coisas não fique dentro e acabe por corroer a pessoa internamente. Nesse caso, talvez o ato puro e simples de falar faça a diferença. E se esse é o caso, com certeza ser ouvido, compreendido e aceito, sem receber conselhos ou o que quer que seja, deve fazer um bem ainda maior.

Hoje terminei o dia lendo aquele livro que comentei ali em cima. Mas durante parte dele - do dia - li um livro com cartas de suicidas. Pesado. Denso. O conteúdo em palavras muitas vezes eram singelos e até corriqueiros - "para sacar o dinheiro do banco, faça isso", "para requerer a aposentadoria, leve meu rg que está em tal lugar" -, mas no âmbito geral é uma coisa que faz pensar. Não dá para não considerar que se aquelas pessoas tivessem escrito ou dito aquelas palavras (não os casos corriqueiros, mas as despedidas) para quem pudesse ou quisesse ouvir, poderiam ter destino diferente.

Nunca se sabe.

Sei que acredito em sinais. E outro dia tive vários com espelho. Cheguei em casa e meu pai me contou uma piadinha boba. A resposta era "espelho". Logo depois, saí e deixei o espelho retorvisor do carro em um caminhão estacionado. Horas mais tarde, andando por São Caetano, passei por uma rua onde havia um monte de espelhos no chão e um cartaz escrito "cuidado, espelhos". Aí fiquei pensando que tipo de sinal era aquele. O que tantos espelhos queriam dizer? Estava encafifado com isso até hoje, mas aí li o "Você não tem que resolver tudo" e conclui que quando eu tiver que saber, saberei. Se é que isso quer dizer alguma coisa ou se foi só uma coincidência do dia.


8 comentários:

  1. Tenho esse problema, o de não ser um bom ouvinte. Quando você me contou desse seu esforço pela primeira vez, procurei reavaliar minha conduta. Para mim, que falo tanto, imagina como é difícil. E tem sempre essa ilusão egocêntrica de que nossos problemas são mais importantes que os dos outros. Conheço pessoas absolutamente incapazes de ouvir -- perto delas, sou bom nisso. O egocentrismo é uma das maiores pragas modernas. Estamos presos em nós mesmos, milhões de "alcatrazes" circulando pelas ruas. Mas, como você, espero conseguir ser o meu próprio Clint Eastwood. :-)

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  2. Buchinha, simplesmente o máximo! E é isso mesmo, quanto maior o peso das palavras, mais temos que nos esforçar para encontrar o "equilíbrio"!
    Adorei!

    Dani

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  3. Vou dizer o que sobre o post? Simplesmente sem comentários.

    As pessoas tem o hábito de aconselhar como se fossem fazer aquilo uma verdade e não é bem assim, talvez falamos tanta groselha só para ver a outra pessoa "melhor", e às vezes o que julgamos melhor para nós não é para essa outra pessoa.

    Parabéns

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  4. adorei, Sé!!! é é isso mesmo, muitas vezes nós só queremos que alguém nos escute, sem julgar, comentar, aconselhar... é bom poder desabafar pelo simples fato de desabafar... faz um bem enorme pra alma saber que podemos contar nossos problemas pra alguém e que esse alguém vai apenas ouvir. claro que muitas vezes escutar o que a pessoa pensa, sente... tb ajuda muito, mas nem sempre é esse o caso.

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  5. Valeu, Dani, Carol, Renata e Anônimo.

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